quarta-feira, 24 de abril de 2024

A dona aranha

há uma aranha colossal 
presa às escadas as quais desço
nos dias em que fujo da multidão
dos elevadores de aço

pairo para contemplar as suas pernas
cabeludas, a sua mandíbula pontuda,
e a sua perversa mania de ficar 
com todos os olhos intocáveis 
a me encarar imóvel 

me espelho na imagem desta aranha
que a mil versos me clama 
que lhe escreva uma prosa
em estado de poema 

me finjo na carne desta mulher 
que antes da teia calculou
o espaço perfeito – infinito –
no canto de uma parede atrás do vidro 
para ser contemplada 

terça-feira, 16 de abril de 2024

Céus, 16/04/24

O céu tem sido rude comigo, teimo em não encará-lo. O olho de espreita, me espanto com os pássaros, eles me ensinam. Queria ser como os pássaros, que nunca, em espécie nenhum, ousaram à fraqueza. À morte em pleno voo, por mais que morressem. Estou viva, embora caminhe, me desequilibro. Me perguntam porque não bebo mais, porque bebo tanto. Falam sobre mim na minha frente. Eu lhes reviro, não revido. Nunca fui de encarar o céu depois que cresci, antes eu o pintava. Hoje sou artista. 

Cremação, 16/04/24

Não quero ler meus poemas depois de mortos e dispersos. Blasfemo os Meus livros, torço as suas orelhas. Sou uma professora lenta em sua didática, apreendo com eles. Guardei muitas palavras, as pessoas me aguardam abrir a boca para me repreender, para que eu queime mais rápido. Não. Não quero ser mais ágil do que tenho sido, quero lenta arder, assim como essa mosca que me acompanha desde o 410 às quinze para as uma. Que se estabeleça o silêncio de túmulos. 

lanço-me, 16/04/24

diários. A escrita como exigência, existência (?) o que fiz com meus anos. Estou bonita que é um exercício, um sacrifício. Pulando folhas em branco, me assusto com a sua cordialidade, a fineza dos fiéis. Ana, estamos bonitas que é um desperdício, certamente. A vi rasgando as folhas em branco, na frente dos alunos, todos. Todos os dias eles dizem que é preciso saber que dia é hoje, o ontem e o que está por vir. Divulgaram mais uma notícia falsa, a alguns instantes. Logo logo dirão que estarei mentindo, que estamos aqui para criar uma verdade. Mas a verdade, você sabe, Ana, não nos fere, mas não nos importa. O que me interessa agora é dizer que a sua poesia está erguida que é um edifício.

ex poema

estou sem jeito para fazer poemas,
prefiro feri-los com o meu silêncio –
que não é único, tantos outros 

se atrevem a dizer
que são ex poetas
mas a gente sabe que uma vez 
desgraçado, sempre desgraçado

vez ou outra se pode dizer 
que se tornou além disso uma
pessoa engraçada

mas fora isso não há mais tempo
de dizer olha só eu abandonei
o poema junto àquela vida de desprezo

Valsa de abril

Não estás sóis
Neste sítio de solidão

Não seremos nós sós 
Nessa rede de fitas trançadas 

Com os lençóis, escrevo a cantiga
Para embalar o seu coração...

Canto a canção para acalentar,
Minha paixão, de Sol e Sombra... 

Cálidos, laços tácidos 
Os seus braços, acordes e
Ninhos de amor 

Creio nesta canção para ninar
Nosso coração... 

segunda-feira, 15 de abril de 2024

encontro

logo, não teremos o que nos falar
um silêncio virá tão preciso
              [e precioso 
que nossos rostos irão se emoldurar 
assim nos reconheceremos
pela primeira vez, 
e talvez, algum de nós diga Um nome,
o primeiro nome
que viria a ser o nosso.